Para ambientalistas e pesquisadores preocupados com as mudanças climáticas, o Judas dos últimos sábados de Aleluia foram os gases-estufa. Controlar sua emissão é a única forma de impedir que o clima atinja patamares incontroláveis. Mas a edição de hoje da revista "Science" traz um novo obstáculo à tona. A circulação atmosférica e o índice de chuvas também são influenciados pelo buraco da camada de ozônio - um problema já dado como resolvido, com a proibição, respeitada internacionalmente, da produção industrial de compostos químicos que aumentariam a abertura da camada protetora do planeta.
Segundo um estudo da Universidade de Columbia, de Nova York, os efeitos provocados pelo buraco da camada de ozônio sobre a Antártica podem aumentar em até 10% a pluviosidade em diversos pontos no Hemisfério Sul - incluindo o Centro-Sul do Brasil, no trecho que se estende até Brasília. Os pesquisadores, porém, ainda consideram leviano usar este fenômeno para explicar recentes desastres climáticos, como a tempestade na Região Serrana, em janeiro.
Ainda de acordo com os autores da pesquisa, o buraco na camada de ozônio provocou uma mudança na direção dos ventos que passavam pela Antártica. Uma área marcado pela menor umidade, que existia mais ao norte do continente gelado, foi deslocada para o sul. Com isso, uma região sobre este cinturão seco e próxima ao Equador ficou exposta a chuvas intensas.
Esta é a primeira vez que um levantamento relaciona o buraco na camada de ozônio às mudanças climáticas.
- O buraco sequer é mencionado no sumário para formuladores de políticas públicas escrito pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, da ONU) - destaca Lorenzo Polvani, coautor da pesquisa da Universidade de Columbia. - Mostramos, no entanto, que a camada de ozônio tem grande impacto no sistema do clima. É um jogador que deve ser observado.
Autora principal do levantamento, Sarah Kang também se admira com a reação em cadeia provocada pelo buraco:
- É realmente impressionante que o buraco na camada de ozônio, localizado tão alto na atmosfera sobre a Antártica (a até 30 quilômetros de distância), possa ter um impacto sobre os trópicos, aumentando o nível de chuvas por lá. É um efeito dominó - compara a pesquisadora.
Polvani e Sarah atribuíram ao buraco as mudanças na circulação atmosférica observadas no Hemisfério Sul durante a segunda metade do século passado. Com isso, os acordos internacionais para mitigar as mudanças climáticas não farão sentido se ficarem restritos ao controle das emissões de carbono. O ozônio, a partir de agora, também terá de ser considerado.
Localizada na estratosfera, logo acima da troposfera (cujo início é na superfície terrestre), a camada de ozônio absorve boa parte dos raios ultravioleta emitidos pelo Sol. Durante a última metade do século XX, o uso em larga escala de compostos químicos pelo homem, especialmente aerossóis contendo clorofluorcarbono (CFC), provocaram danos significativos na camada, a tal ponto que um buraco sobre a Antártica foi descoberto em meados da década de 80.
Com o Protocolo de Montreal, assinado em 1989 e que agora conta com a assinatura de 196 países, a produção global de CFC foi cancelada. A iniciativa já colhe frutos: na década passada, a destruição da camada foi quase totalmente interrompida. Espera-se que sua recuperação prossiga até meados do século, quando o buraco deve, enfim, ser fechado.
A comunidade internacional, portanto, já via o buraco como um problema resolvido. Mas, de acordo com o estudo de Polvani e Sarah, mesmo quando coberto, ele provocará um impacto considerável no clima.
A dupla tirou suas conclusões baseada na construção de dois modelos: um em que projetaram a evolução da abertura na camada de ozônio; outro onde analisaram eventos climáticos das últimas décadas no Hemisfério Sul. A associação entre os resultados permitiu-os responsabilizar o ozônio por algumas das mudanças do clima observadas naquela região - com uma contribuição menor dos gases-estufa.
A camada de ozônio não inspira preocupação apenas na Antártica. No início do mês, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) divulgou que aquele escudo natural sofreu uma redução recorde, de 40%, sobre o Ártico entre o fim de 2010 e março deste ano. A OMM atribuiu o fenômeno à persistência de CFC na atmosfera e ao inverno muito frio na estratosfera. Junto ao motivo veio um alerta aos países nórdicos:
"Como a elevação do Sol vai aumentar nas próximas semanas, as regiões afetadas pelo buraco na camada de ozônio terão que vigiar as radiações ultravioletas, que serão superiores ao normal", advertiu a organização, em comunicado.
A redução é anda mais preocupante porque, no Ártico, ela não é um fenômeno frequente como no Sul - na Antártica, o mesmo episódio ocorre todos os anos, sempre no inverno e na primavera, também devido às temperaturas baixas da estratosfera.
Fonte: O Globo
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